segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Diários Descobertos- Aleijadinho- Luís Dill-

Vila Rica, 23 de abril de 1744.

"Passar as horas dos dias nas oficinas do meu pai e do meu tio faz bem. Isso diminui um pouco o volume de perguntas que está sempre se assanhando no interior da minha cabeça.
Tenho orgulho dos trabalhos feitos pelos dois. São coisas que fazem meu sorriso ficar colorido como as asas das borboletas. Mas é um sorriso silencioso, pois as vezes tenho medo dos humores dos dois. Faz bem aos olhos ver o Palácio dos Governadores, que deu tanto trabalho ao meu pai. Sobre ele, espalhou-se pela sua oficina uma grande série de traços rascunhados no papel.

Também faz bem aos olhos a capela-mor da Matriz do Pilar, erguida e ornamentada pelo meu tio, o entalhador Antônio Francisco, por quem tenho secreto carinho. Temos o mesmo nome. Ele, Pombal. Eu, Lisboa. Não há como deixar de aprender diante da tamanha quantidade de ferramentas, de materiais, de esboços, de conversas. Tudo que há dentro das oficinas deles mora desde sempre adormecido no meu coração, tenho certeza. O que aprendo ali diverte-me e desafia-me.

Em certos dias ali é lugar de paz. Mas em outros, as oficinas são verdadeiras hospedarias do demônio. É quando elas viram o lugar onde as ideias guerreiam. Seguir o trabalho de meu pai e de meu tio deveria encher-me ainda mais de orgulho, mas, ás vezes, é como antecipar a dor de barriga que uma fruta podre vai causar-me. Parecem errados os riscos desenhados por eles e Deus é testemunha de que sei como são bem aceitos e festejados. Meu modo de pensar é desajeitado, diferente. Se tivesse mais letras, mais estudos, se me desem a chance de viajar para lugar, como Rio de Janeiro e Lisboa, talvez conseguisse explicar como vejo as coisas. Nem mesmo livros tenho à disposição. Por isso me resta ficar cheio de cólera, quieto, daquela maneira que minha mãe sempre me ensina. Meu medo é alguém pensar doidices sobre mim. Um menino mestiço querendo ensinar aos mestres.Um menino desrespeitando a ordem do mundo, a Coroa portuguesa. Um menino mestiço a serviço do demônio. Um bom lugar para tal menino não seria a forca?
 
Quando as ideias começam a guerrear dentro de minha cabeça ou quando as perguntas ferem minha língua obediente, trato de desenhar só com o pensamento. Desde a pedra que, ao lado de outras, cria uma ladeira, até igrejas enormes, de torres angulares, cúpulas estranhas com formas de turbantes, pilastras, painéis ovais ricamente ornamentados, castiçais, cruzes e altares de ouro coberto de flores e anjos de todas as cores e com todas as caras. Consigo desenhar uma coleção inteira de querubins, ou então uma fila de anjos, ou apóstolos, ou profetas perfilados no passeio como se estivessem vivos."

Aleijadinho, Por Luis Dill.


*Ao lado a igreja de São Francisco de Assis, projetada, desenhada pelo nosso querido Aleijadinho, onde no seu interior também tem muita coisa projetada e esculpida por ele. Essa igreja está localizada na cidade de Ouro Preto, no interior de Minas Gerais.

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